Entrevistamos Onira Pereira, um dos maiores ícones da história do carnaval de Porto Alegre, que em um papo descontraído, contou um pouquinho da sua história e de seus momentos marcantes no nosso carnaval. Confira na íntegra as declarações deste baluarte do carnaval gaúcho.
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Udesca: Como começou sua história no carnaval?
Onira: É longa
(risos)! Começou eu querendo sair em uma escola de samba e querendo sair nos Imperadores do Samba, pois nos Imperadores tinha homens belíssimos naquela época, mas a minha mãe tinha pavor da Imperadores do Samba e não me deixou sair no Imperador... Naquela época eram as mães que coordenavam né! Para fazer desaforo eu fui sair nos Bambas da Orgia e ela topou. Hoje eu digo: Graças a Deus que eu sou Bambas da Orgia! Eu comecei em 1971 nos Bambas saindo de colombina com o Roni que era da escola. No mesmo ano fui convidada pela escola para ser a Boneca Café, onde eu concorri e ganhei. Em 1973 fui convidada para ser Porta Bandeira e comecei a ensaiar com a bandeira. No dia da muamba, uma semana antes do carnaval, não tinha bandeira para dançar, aí eu dancei com o estandarte... Quando terminou o desfile eu disse para o Alceu: “Eu não quero mais ser Porta Bandeira, eu quero ser Porta Estandarte”. E ele respondeu: “Tu vai ser o que tu quiser!” Ou seja, uma semana antes do carnaval eu decidi ser Porta Estandarte, e no primeiro ano que eu desfilei como estandarte eu ganhei o título de melhor Porta Estandarte. Depois do carnaval eu parei, decidi casar e no ano seguinte fiquei grávida da Guislaine. Em 1976 meu marido me convidou para ir no ensaio do Floresta Aurora. Estávamos lá no ensaio e me convidaram para ser Porta Estandarte e eu aceitei, até porque era uma maneira de inserir meu marido no carnaval, já que ele nunca tinha participado. Na época o pessoal dos Bambas se desesperou, foram lá no Floresta pedindo que eu voltasse para os Bambas e eu disse que não, que eu iria cumprir a minha palavra, até porque eu nunca ganhei dinheiro com carnaval, eu sempre honrei muito os meus compromissos e como eu já tinha dado a minha palavra, eu desfilei no Floresta. No ano seguinte o pessoal dos Bambas foi lá em casa conversar comigo e eu voltei para os Bambas da Orgia, fiquei até 1984 como Porta Estandarte, que foi quando eu resolvi parar, achei que tava na hora.
. Udesca: Por que da aposentadoria tão prematura?
Onira: Porque o carnaval toma muito teu tempo, quando eu tinha a Kizzy pequena, eu não podia ensaiar, uma vez até tinha uma matéria para gravar, acho que para a TV Gaúcha, eles vieram me buscar em casa, eu gravei e voltei, a Kizzy era bebê, inclusive eu desfilei grávida da Kizzy em 1979. Ser destaque é uma coisa que exige muito teu tempo. Em 1984 eu queria ter mais um filho, queria ter o Max, e eu achava que tava na hora de largar, eu acho que toda Porta Estandarte tem um tempo, que quando chegou aquele tempo, quando ela não tem mais o prazer de fazer aquilo ela tem que parar, isso não quer dizer que tu ta deixando de gostar do carnaval. Na época, Porta Estandarte era quesito, então era muita responsabilidade e eu queria ficar mais tempo em casa, me dedicando mais para a minha família. Aí quando os Bambas completou 50 anos, me convidaram para desfilar com o estandarte de ouro dos Bambas, que era um estandarte todo dourado, aí eu aceitei, vim no meio da escola com o estandarte dourado do cinqüentenário, inclusive eu ganhei este estandarte, está guardado comigo.
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Udesca: Qual foi sua reação ao ver as filhas seguirem os mesmos passos? Onira: Eu nunca deixei minhas filhas desfilar no Carnaval, inclusive quando a Guislaine começou eu não queria que ela fosse Porta Estandarte, a minha preocupação é que eu não queria que comparassem a Guislaine comigo, pois ela não tinha a obrigação de ser igual a mim, então eu sabia que haveria essa cobrança em cima dela. Eu lembro que o pessoal do Império veio convidar ela na época, e eu perguntei para eles: “Como vocês querem a Guislaine de Porta Estandarte se ela nunca dançou?” Ai eles responderam: “Se tu ensinou as outras, porque tu não vai ensinar a tua?” Aí, meio contra minha vontade, ela acabou sendo Porta Estandarte do Império, e depois sim, eu abracei mas não era muito a favor não. Eu me lembro que no primeiro ano que ela desfilou em uma muamba, eu era jurada, aí quando eu saí de casa, eu lembro que eu disse para ela assim: “Deixa a Oxum e leva a Pomba Gira, que esse povo é que é do carnaval.” Aí na hora do Império da Zona Norte entrar, eu fiquei tão nervosa, mas tão nervosa, que eu queria estar lá ajudando ela, mas eu era jurada, não podia estar lá. Foi uma emoção tão grande que até hoje eu me emociono... (pausa, com olhos lacrimejando) quando ela entrou na avenida ela foi tudo aquilo que eu esperava que ela fosse. Aí passou tudo aquilo, todo o medo, pois eu já sabia que ela ia dar conta do recado. E esse foi um dos maiores momentos de emoção da minha vida dentro do carnaval, foi ver a Guislaine fazendo tudo aquilo que eu imaginei que ela pudesse fazer. Eu lembro até que no outro dia a Ana Marilda perguntou para mim: “O que tu achou de mim desfilando?” E eu disse: “Eu nem te vi, eu só vi a minha filha.” Eu só tinha visto a Guislaine, não enxerguei mais ninguém... (risos). No fim, graças a Deus não houve muitas comparações entre eu e a Guislaine, ela sempre teve o estilo própria dela. Com a Kizzy já foi diferente, eu ia ensaiar a Suelene lá nos Bambas da Orgia no sábado de tarde, e elas ficavam: “Ai, eu fui no ensaio ontem e vi o fulano...” Aí eu disse: ”Kizzy, tu tá atrapalhando o ensaio da Suelene.” Ai ela me respondeu: “Tá, então eu vou dançar também!” Foi lá, colocou uma saia e começou a dançar de estandarte. O primeiro que a Kizzy pegou foi o estandarte! Aí quando a Suelene engravidou e teve que parar, o pessoal do Bambas perguntou se a Kizzy não queria ficar no lugar da Suelene até ela voltar e a Kizzy aceitou, mas era só até o carnaval, a Kizzy não iria desfilar, só iria cumprir a agenda da Suelene. Ela começou a dançar com o Cristiano no lugar da Suelene, ficando de segunda Porta Bandeira da escola. Só que a Suelene ganhou o bebê e não se recuperou a tempo e a Kizzy acabou desfilando no lugar dela. Ela aprendeu a dançar com o Marcelinho e a Michele, inclusive no ano seguinte, quando a Michele viajou para Recife, a Kizzy dançou com o Marcelo até a Michele voltar, mais para quebrar o galho da escola. No ano seguinte quando eu me afastei dos Bambas, ela ia ser a primeira Porta Bandeira da escola, mas aí ela decidiu sair também já que eu iria sair. Depois disso ela veio a ser Porta Bandeira da Copacabana, depois do Acadêmicos de Gravataí e ai ela decidiu que não queria mais ser Porta Bandeira. Só que anos depois, a Michele se afastou da Restinga, e o Mutti conseguiu convencer a Kizzy a dançar na Restinga, onde ela está até hoje. Na verdade, a idéia de levar a Kizzy para a Restinga era antiga, era o sonho do Bira ver ela carregando o pavilhão da Restinga, ele afirmava sempre: “Ainda vou levar essa magrona para a Restinga.” Sabe que eu até achei que a Kizzy seria Porta Estandarte, e não Porta Bandeira, até mesmo pelos gestos mais delicados que ela tem. Ai um dia o Cláudio Brito esteve na quadra dos Bambas e eu disse: Cláudio eu acho que a Kizzy não é Porta Bandeira, eu acho que ela ta mais para Porta Estandarte. Ai quando terminou o ensaio ele disse: “Onira, a Kizzy é Porta Bandeira” (risos). Fico feliz em saber que minhas filhas tem amor pela Restinga e se dedicam pela escola. A Restinga é fantástica, é uma escola de comunidade, tem uma frase do Cláudio Brito que eu acho o máximo, em que ele diz: “O Cisne é tão delicado que quem guerreia por ele é o povo da Restinga”. Tem muita diferença de como os batuqueiros da Restinga batem naqueles instrumentos se comparado às outras baterias. Meu filho Max era Bambas doente e dizia: “Mãe ninguém passa na avenida como a Restinga, eles desfilam com uma garra que é bonito de ver”. Eu vejo na bateria da Restinga aquilo que eu era nos Bambas antigamente, eles defendem ali o povo deles.
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Udesca: O que mais chama sua atenção em uma Porta Estandarte? Onira: O que me chama a atenção em uma Porta Estandarte é uma coisa que o Deoclécio me disse que eu acho que não serve só a Porta Estandarte, mas para a Porta Bandeira também: “Tem que ser uma mulher de atitude, sabe? Tô aqui, cheguei, eu sou a dona do espaço!” Teve um ano que a Guislaine desfilou em uma muamba, já com a Restinga, não me lembro o ano... acho que aquele ali foi o melhor desfile da Guislaine. Ela entrou na muamba e foi dona da avenida, como se dissesse: “Essa batalha é minha!” Então é aquela atitude que eu quero em uma Porta Estandarte, de ela ter ali a consciência de que ela está representando toda uma nação. Saber apresentar e saber que a estrela é o estandarte e não ela. Hoje em dia eu vejo muito que algumas estandartes chegam a colocar o estandarte atrás da cabeça... Tá errado! (com expressão firme) A estrela é o estandarte, tem que ter o prazer de representar aquele pavilhão. Eu tinha um prazer imenso de representar o Bambas da Orgia e isso era recíproco, pois eu me fiz respeitar, eu nunca deixei de dançar, nem que fosse no beco da esquina. Na época até na terra eu dançava, tirava o sapado, dançava descalça e não era uma hora de show como elas dançam hoje, eu dançava a noite inteira, o Bambas era a minha estrela e eu era a estrela deles. Então essa é a garra que eu vejo muito pouco hoje, eu tinha garra, amor e graças a Deus nunca fui empregada de escola de samba.
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Udesca: O que uma Porta Estandarte jamais pode fazer?
Onira: O que me irrita muito é quando elas põem o estandarte atrás da cabeça delas, ou então colocam ele para o lado para elas aparecerem. Elas se mostram e esquecem da função delas que é apresentar o estandarte, isso me irrita muito.
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Udesca: Quem foi a melhor Porta Estandarte de Porto Alegre?
Onira: Da minha época a Nara Matos! Ela era uma pessoa iluminada, quando ela entrava na avenida ela tinha uma luz, ela era fantástica, até hoje para mim ela foi a melhor Porta Estandarte de todos os tempos, assim como o Fiapo foi o melhor Mestre Sala que essa cidade já teve e assim como a Lígia foi a melhor Porta Bandeira que essa cidade já teve. Depois da Nara eu acho que vem a Guislaine. Acho que a Guislaine ainda vai por muito tempo colocar as demais no bolso, ela tem muita coisa minha, esse amor pelo carnaval, que mesmo depois de ter parado não abandonou, assim como eu. Isso que hoje eu faço pelos destaques, fazendo roupas para um e outro, me dá tanto prazer como quando no tempo em que eu era Porta Estandarte. Coisa que mais me dá prazer é ver um destaque nascer, e a Guislaine tem isso, essa coisa de mexer em fantasia e gostar desse tipo de coisa. Eu acho que ainda vai demorar um bom tempo para que alguma Porta Estandarte chegue perto do que foi a Guislaine.
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Onira apresentando o Estandarte da Udesca para Cláudio Brito..Udesca: Das Estandartes em exercícios, qual chama mais atenção em seu bailado?
Onira: No momento as melhores estandartes da cidade são a Shaienne e a Cristiane. A Cristiane apresenta o estandarte como ninguém... Ninguém na cidade, com exceção da Cristiane, apresenta um estandarte como tem que ser apresentado. Já Shaienne é aquela coisa da graça, da beleza dela... Ela é Bambas da Orgia, nunca desfilou em outra escola, essa é a minha admiração, além de ser cria minha, ela é a única cara que o Bambas da Orgia tem hoje entre seus destaques, fora que ela tem muita personalidade, o que é muito importante.
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Udesca: Desfile inesquecível?
Onira: Foram tantos... (pausa) Todos os meus desfiles nos Bambas da Orgia como Porta Estandarte foram inesquecíveis. Eu acho que ter sido escolhida para ser a Porta Estandarte da Rádio Gaúcha na comemoração dos 70 anos, para mim foi uma grande honra, saber que eu fui aceita, ver o Paulo Santana gritar para mim na rua: “Não podia ter sido outra, só tu poderia ser a nossa Porta Estandarte”. Também quando eu representei o Rio Grande do Sul na Marquês de Sapucaí desfilando pela Vila Isabel, carregando o estandarte do Rio Grande do Sul, foi um desafio muito grande e quem me fez aceitar esse desafio foi o Claudio Brito, pois eu não queria mais desfilar como Porta Estandarte e acabou sendo uma das minhas maiores glórias. Teve um ano que os Bambas tava entrando na avenida e o Jajá esqueceu o samba, a bateria parou... eu estava entrando e o povo na arquibancada começou a me vaiar pois eles achavam que eu tinha que entrar, mas decidi esperar... No momento que eu decidi entrar, começou o desfile, e aí eu lembro que na época o comentário era de que eu tinha levado os Bambas nas costas. Outro momento inesquecível foi um festival que teve na quadra dos Bambas da Orgia em que ganhou um samba, mas o povo da quadra começou a cantar o samba que ficou em segundo lugar, me lembro que o compositor campeão retirou o samba dele.
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Udesca: Desfile para esquecer? Onira: Não seria para esquecer, mas me marcou o desfile da Rádio Gaúcha, porque eu nunca me senti tão maloqueira em toda a minha vida, eu nunca tinha desfilado tão mal vestida. Aconteceu que o corpo da minha fantasia tava sendo feito em Pelotas e o resto da fantasia tava aqui. Aí, eu tinha acabado de chegar do Rio, tinha desfilado na Estácio, quando cheguei na avenida fui pegar minha roupa para me vestir e pedi o corpo da minha fantasia, e me responderam: Que corpo? Ou seja, o corpo ficou em Pelotas, esqueceram de trazer e eu tive que desfilar só com a camiseta da Rádio Gaúcha. Antes de entrar na avenida, eu mandei dizer para o Cláudio Brito que a Saionara entraria no meu lugar já que minha fantasia estava incompleta, ai ele mandou me dizer: “Entra como tu estiver”. O Cláudio Brito sempre quis ser meu diretor de carnaval, e nesse ano ele pôde ser, já que antes isso era impossível, afinal ele era da Imperadores do Samba e eu desfila no Bambas da Orgia. Teve um ano que ele tava na avenida todo de branco com um cravo vermelho na roupa, aí eu arranquei o cravo e coloquei um pedaço azul da minha saia no lugar e consegui deixar ele de azul e branco na avenida (risos). Mas o Cláudio Brito é Imperador por acaso, eu tenho certeza que ele tem paixão pelo Bambas.
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Udesca: Quais suas dicas para quem deseja se tornar uma Porta Estandarte?
Onira: Humildade, que é o que a maioria não tem... Humildade até de procurar alguém para ensinar aquilo que ela não sabe, ao invés de sair fazendo besteira sem saber o que ta fazendo. É possível tornar-se Porta Estandarte, agora aquele algo mais ela tem que tirar de dentro dela, é como eu sempre digo, vai para frente do espelho, pega a vassoura e vê o que ta faltando fazer, ou seja, tirar de dentro de si o algo mais, que é o que dará o diferencial.